Aquisição Obrigações Próprias

21-06-2013 16:47

O tema da aquisição de obrigações próprias, foi escolhido dado a crescente importância que as obrigações tem assumido como forma de financiamento das empresas. O recurso ao mercado de capitais tem sido cada vez maior de modo a criar alternativas aos habituais empréstimos bancários, prova disso mesmo é a criação de um mercado secundário, por parte da Euronext, designado por Alternext e que pretende admitir a negociação obrigações, e não só, de forma mais célere sem necessidade dos formalismos exigidos no mercado principal, Eurolist by Euronext.

 

Propositadamente, não abordaremos o tema das obrigações convertíveis em acções, por ser uma tipo de obrigações que se destaca dos restantes e como tal assumir um regime demasiado especifico que deverá ser analisado em trabalho autónomo. Aqui pretendemos apenas abordar o regime geral de aquisição de obrigações próprias.

 

No estudo, que agora apresentamos, procuraremos dar uma breve definição de que são obrigações, primeiro de forma geral e posteriormente dar breves noções de alguns dos mais comuns tipos de obrigações (hipotecárias, estruturadas, subordinadas, convertíveis em acções e papel comercial). Feito o enquadramento, faremos a ligação entre o regime das obrigações próprias e das acções próprias, regime esse que é aplicado através de remissão do artigo 354 do Código das Sociedades Comerciais (de agora em diante designado por CSC). Feita a ligação entre os dois regimes, analisaremos cada uma das situações previstas, quer na aquisição originárias quer na aquisição derivada, tentando descortinar os argumentos que servem de base a tais regras, procurando fazer uma análise critica á transposição do regime para as obrigações próprias. Finalmente, abordaremos a questão da aquisição de obrigações emitidas por entidade do mesmo grupo económico.

 

  1. Definição de Obrigações. (origem legal e função económica)

 

O Artigo 1º do Código dos valores Mobiliários consagra:

 “São valores Mobiliários, além de outros que a lei como tal qualifique:

  1. As acções;
  2. As obrigações;
  3. Os títulos de participação;
  4. As unidades de participação em instituições de investimento colectivo;
  5. Os warrants autónomos ;
  6. Os direitos destacados dos valores mobiliários referidos nas alíneas a) a d) desde que o destaque abranja toda a emissão ou série ou esteja previsto no acto de emissão;
  7. Outros Documentos representativos de situações jurídicas homogéneas, desde que sejam susceptíveis de transmissão em mercado.”

 

Da redacção do presente artigo, podemos concluir, não estar consagrado um conceito nem, tão pouco, uma definição de Valor Mobiliário. No entanto, são dadas indicações a ter em conta na construção de um conceito material de valor mobiliário. Podemos designar por valores mobiliários, os instrumentos financeiros representados num título ou registo em conta, que consubstanciam posições jurídicas homogéneas e fungíveis e são negociáveis em mercado organizado[1]. Acrescentamos a esta definição, a possibilidade de os valores mobiliários serem transaccionados over the count[2].

 Aprofundando um pouco mais cada um dos critérios tipológicos avançados, sem intenção de os desenvolver de forma exaustiva, importa salientar a exigência dos valores mobiliários assumirem forma documental, devendo entender-se forma documental em sentido amplo onde se inclui os registos em conta[3] supra referidos que, apesar de não assumirem uma forma física não deverão deixar de ser considerados como verdadeiros e autênticos documentos. Quanto ao facto de os valores mobiliários consubstanciarem posições jurídicas homogéneas, concretiza-se pelo facto de estes assumirem, única e exclusivamente, direitos derivados do direito privado, por um lado, e, assumirem essencialmente, uma natureza patrimonial, por outro. Nos valores mobiliários de natureza complexa torna-se possível o destacamento de determinados direitos, dando origem a novos valores mobiliários. Resta acrescentar aquela que será, talvez, a característica mais importante dos valores mobiliários, a facilidade de transmissão. È condição essencial dos valores mobiliários a garantia de que a sua transmissibilidade se poderá fazer de forma célere e eficaz. O mesmo não é garantir que estes sejam efectivamente transaccionados, esse aspecto prende-se com a liquidez de cada valor mobiliário e não com a sua característica em si.

 

Os valores mobiliários alvo de estudo no presente trabalho são as obrigações. As obrigações são valores mobiliários, de base, relativamente simples. O enquadramento legal das obrigações encontra-se regulado nos artigos 348 e seguintes do Código das Sociedades Comercias[4], e em diplomas legais autónomos que regulam os diferentes tipos de obrigações.

O titular de uma obrigação é, fundamentalmente, um titular de um crédito sobre a entidade emitente, tendo por base uma relação jurídica assente, tipicamente, num contrato de mútuo. O detentor da obrigação, habitualmente também designado por credor obrigacionista, tem o dever de entregar fundos á entidade emitente[5]; e a entidade emitente fica obrigada, á obrigação sinalagmática de, restituir o montante que lhe é entregue, no prazo e com os juros convencionados. Esta é uma prática utilizada por diversas entidades como forma alternativa de recurso a capitais alheios, também comummente designada de hetero-financiamento, dai que não seja de estranhar os limites, quantitativos, adoptados pelo legislador nacional. Deste modo as sociedades não poderão emitir obrigações que excedam o dobro dos seus capitais próprios, considerando-se como capitais próprios o somatório do capital realizado  deduzido das acções próprias, com reservas, os resultados transitados e os ajustamentos de partes de capital em sociedades coligadas. O limite acabado de descrever não será aplicado ás sociedades que (i) sejam sociedades emitentes de acções admitidas a negociação  em mercado regulamentado, (ii) obtenham notação de risco[6] por sociedades de notação de risco registada na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, (iii) emissões cujo o reembolso seja assegurado por garantias especiais constituídas a favor dos obrigacionistas.

 

  1. Tipos de Obrigações. Algumas questões pertinentes.

 

Por não ser esse o objectivo do presente estudo mas por nos parecer de importância crucial uma breve nota sobre os diferentes tipos de obrigações, abordaremos, de forma sumária, alguns dos principais tipos de obrigações. Serão objecto de referência, as obrigações hipotecárias, as obrigações convertíveis em acções, as obrigações estruturadas, as obrigações subordinadas e o Papel Comercial.

 

  1.  Obrigações Hipotecárias

 

As obrigações hipotecárias são valores mobiliários representativos de divida cuja situação jurídica subjacente é reforçada através de um privilégio creditório especial sobre os crédito hipotecários afectos á emissão.

 

Actualmente, as obrigações hipotecárias são reguladas pelo Decreto-Lei 59/2006 de 20 de Março. O referido Decreto-Lei teve particular atenção flexibilizar o regime deste tipo de obrigações e o reforço da posição dos credores obrigacionistas através da estatuição de que as hipotecas que garantem os créditos hipotecários afecto Sá emissão prevaleçam sobre quaisquer privilégios creditórios imobiliários. A base das obrigações hipotecárias, e aquilo que as distingue das restantes obrigações, á a criação de um património autónomo que funciona como uma espécie de garantia da emissão de obrigações. Ou seja, é criada uma pool com determinado património (o mais comum hipotecas sobre imóveis, ou créditos sobre o sector público no caso das obrigações do sector público) que, em caso de insolvência do emitente, será utilizada para o pagamento aos detentores das obrigações fruto de determinada emissão.

 

A mesma estrutura das obrigações hipotecárias, é aplicável ás obrigações do sector público, nos termos da Decreto-Lei 59/2006. Nas obrigações do sector público, trata-se de obrigações garantidas por créditos sobre administrações centrais ou autoridades regionais e locais de um dos Estados Membros da União Europeia e créditos com garantia expressa e juridicamente vinculativas destas mesmas entidades.

 

  1.    Papel Comercial

 

O papel comercial é um instrumento financeiro negociado no mercado monetário, pelo que habitualmente se designa por instrumento monetário. Os instrumentos monetários assumem como principais características a elevada liquidez, o baixo risco e o prazo, habitualmente, inferior a 1 ano e estão sujeitos á supervisão do Banco de Portugal e do Ministério das Finanças. Os instrumentos monetários subdividem-se em puros e impuros[7], resultando estes de uma combinação de instrumentos monetários associados a outro tipo de instrumentos financeiros, do qual é exemplo o papel comercial.

 

O papel comercial é regulado pelo Decreto-lei 69/2004 de 25 de Março[8] e pelo regulamento da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários 1/2004 de 10 de Maio[9].

 

O papel comercial são valores mobiliários representativos de divida de prazo inferior a um ano. O papel comercial, de origem, assume-se com uma forma de financiamento de curto prazo, ao dispor das empresas com custos relativamente baixos, de forma a responder a falta de liquidez momentânea das empresas. Do ponto de vista dos investidores, dada a sua elevada liquidez e curto prazo, representam um investimento com um risco bastante reduzido.

 

A capacidade para emitir este tipo de instrumentos é bastante alargada, valendo aqui o principio geral de emissão, assim, podem ser emitentes de papel comercial, as sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, as cooperativas, as empresas publicas e as demais pessoas colectivas de direito publico ou privado (artigo 2º do supra referido Decreto Lei). Este princípio geral de emissão está limitado, quantitativamente, ao triplo dos capitais próprios da emitente ou ao triplo do património líquido desta, caso não possua plano oficial de contabilidade (não estão abrangidos por estes limites, as instituições financeiras de credito, as sociedades financeiras, as empresas de seguros e as sociedades gestoras de fundos). O valor nominal destes títulos terá de ser igual ou superior a EUR 50,000.00 (cinquenta mil euros) nos casos em que a emitente não cumpra um dos seguintes requisitos: (i) capitais próprios ou património liquido superior a EUR 5,000,000.00 (cinco milhões de euros), no ultimo balanço aprovado a sujeito a certificação legal de contas, (ii) apresentar notação de rating da emissão, (iii) obter a favor dos detentores de papel comercial, uma garantia de pagamento nos termos do artigo 5º do Decreto Lei em analise.

 

Apesar do papel comercial ser uma emissão de divida de curto prazo, através de alguma engenharia financeira, tem sido utilizado para empréstimos de médio longo prazo ás emitentes. Os emitentes celebram programas de emissão de papel comercial em que determina instituição financeira se obriga a comprar (habitualmente designada por “garantia de colocação”), a uma taxa prefixada, os títulos caso não existam ofertas para os mesmos. Esta obrigatoriedade aliada a programas de 2, 3 e mais anos, transforma um instrumento financeiro, pensado para responder ás necessidades de curto prazo das emitentes, em autênticos empréstimos de médio longo prazo.

 

 

  1. Obrigações convertíveis em acções

 

O artigo 360, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais, prevê a emissão de obrigações convertíveis em acções, sendo o seu regime estabelecido nos artigos 365 e seguintes do mesmo código.

 

As obrigações convertíveis em acções, não são mais do que obrigações ordinárias a que lhes acresce um direito adicional de transformar essas mesmas obrigações em acções, quer pela ocorrência de determinado evento quer pela opção dos obrigacionistas, dependendo da forma como o empréstimo obrigacionista se encontra estruturado.

 

Ao contrário das obrigações, ditas ordinárias, as obrigações convertíveis em acções apenas poderão ser, dada a sua própria natureza, emitidas por sociedades anónimas.

O titular de obrigações convertíveis em acções tem a faculdade de alterar a sua posição jurídica, de credor da sociedade para uma posição de socialidade com a mesma, através da conversão dos valores mobiliários em sua posse. Esta dupla possibilidade posicionamento da posição jurídica do detentor deste tipo de valores mobiliários, desde logo confere uma natureza híbrida a estes instrumentos financeiros.

 

Os detentores de  obrigações convertíveis em acções, não deixaram de ter direito ao respectivo juro, típico das obrigações, até ao momento da sua conversão em acções. Importa ressalvar que o valor da conversão, que é conferido ao titular destas obrigações, não tem um valor autónomo estando integrado no preço da respectiva obrigação. Não de menor importância, o facto de as obrigações convertíveis, por norma, estarem protegidas contra a degradação do valor das acções (em que se podem converter), em resultado de alteração do valor nominal das mesma ou da eventualidade de aumentos de capital.

 

Economicamente, este tipo de acções representam para a sociedade uma forma de captação de capitais alheios a um preço mais baixo dos demais tipos de obrigações, isto porque o juro a pagar será menor, ao mesmo tempo a empresa está a recolher capitais próprios (assumindo que a conversão se irá realizar).

 

 

  1. Obrigações subordinadas

 

As obrigações podem ser estruturadas de forma a conceder especiais garantias aos obrigacionistas ou, por outro lado, a colocá-los numa posição subordinada perante os demais credores da entidade emitente. Assim, ao contrário do que acontece nas obrigações hipotecárias onde, como já tivemos a possibilidade de, sumariamente, descrever, determinados créditos passam a responder por determinada emissão, nas obrigações subordinadas os investidores sujeitam-se a que os seus créditos obrigacionistas sejam graduados após os demais créditos existentes. As obrigações subordinadas consistem na formula mais agravada de diminuição das garantias dos obrigacionistas. Não se julgue porém que este tipo de emissões coloca o investidor numa posição mais desvantajosa relativamente a investidores noutros tipos de obrigações. Os investimentos em emissões de obrigações têm sempre como pano de fundo o pagamento de um juro correspondente. Estando os detentores de obrigações subordinadas numa posição mais desfavorável para receber o valor nominal das obrigações, dado estarem, na graduação de créditos, depois dos “normais” credores, tem naturalmente acesso a um juro mais elevado, tendo como perspectiva a compensação do risco assumido por tais investidores.

 

A este tipo de obrigações, tem sido associado um outro que são as obrigações perpetuas, dando origem ás obrigações perpétuas subordinadas. As obrigações perpétuas caracterizam-se por serem constituídas sem prazo para se proceder ao reembolso do capital. A emissão deste tipo de obrigações tem sido realizada, essencialmente, por instituições de crédito que, dada a comprovada estabilidade deste tipo de capitais alheios, são merecedores de tratamento prudencial favorável no que respeita ao nível da sua qualificação como fundos próprios.

 

  1. Aquisição de Obrigações Próprias

 

O tema do presente estudo poderá parecer, numa primeira análise, desprovido de sentido. Se a emissão de obrigações tem como objectivo, principal, a captação de capitais alheios, a aquisição de obrigações próprias não é consonante com esse mesmo objectivo na medida que a sociedade será, ao mesmo tempo, credora e devedora de si mesma. Assim, com excepção da aquisição de obrigações próprias para amortização das mesmas, a figura em análise pode parecer paradoxal. A aquisição de obrigações próprias é aceite na generalidade das legislações, estando consagrada no artigo 354 do Código das Sociedades Comerciais Português.

 

As principais vantagens na aquisição de obrigações próprias, prende-se com (i) a diminuição do endividamento da sociedade emitente, através da aquisição da obrigações e com a finalidade de as extinguir ou simplesmente mantê-las em carteira e deste modo evitar que os juros sejam pagos a terceiros, (ii) a fins de investimento, (iii) defesa contra factores externos ou (iv) intervir nos mercados de títulos. No ultimo ponto podem levantar-se algumas questões de licitude de tal actividade. A sociedade emitente, com um conhecimento maior da solvabilidade da empresa ao investir nas suas próprias obrigações pode influenciar o preço da forma mais favorável aos seus interesses, algo que facilmente se depreende, ir contra os princípios básicos de eficácia e transparência de mercado. Abordaremos esta e outras questões nos pontos que se seguem.

 

  1. Aquisição de obrigações próprias VS Aquisição de Acções próprias (como regime supletivo)

 

O Código das Sociedade Comerciais não consagra um regime especifico para a aquisição de obrigações próprias, em vez disso, no único artigo, 354 do CSC, dedicado ao tema, apenas permite a aquisição de obrigações próprias para conversão ou para amortização, remetendo para o regime aplicável ás acções próprias todas as demais situações possíveis[10]. A referencia feita toma por base uma regulamentação geral, a aplicar a todo o tipo de obrigações. Não é feita, no artigo destinado ás obrigações próprias, qualquer salvaguarda a determinado tipo de obrigações nem é previsto no restante código regime diferente para determinado tipo de obrigações, no que respeita a aquisição de obrigações próprias.

 

Posto isto, e por forma a uma melhor percepção dos pontos seguintes, apesar da remissão para o regime de aquisição de acções próprias, importa salientar, ainda que de forma sumária, a distinção entre acções e obrigações. As acções, são títulos que visam representar uma fracção do capital social de determinada sociedade. Uma acção tem, em si incutido, um direito de o seu titular, receber dividendos (caso existem e seja deliberada a sua distribuição) e o direito de intervir no governo da sociedade, através do exercício do seu direito de voto nas Assembleias Gerais de sociedade. Por outro lado, as obrigações são títulos de divida, podendo assumir uma taxa de remuneração fixa, variável ou fixa e variável, emitidos por determinada entidade, com o objectivo de obter capitais alheios, conferindo ao seu titular (obrigacionista) um direito de crédito sobre a emitente. Salientamos, desde já, para o facto de os detentores das obrigações, ao contrário dos detentores de acções, apenas de uma forma indirecto, e ainda assim muito limitadamente, poderão intervir no governo da sociedade.

 

Ao contrário do que acontece com as acções, as obrigações encontram-se sob o princípio da autonomia privada, podendo assumir as mais diversas formas[11].

 

 

  1. Modalidades aquisitivas

 

A aquisição de obrigações próprias, dependendo do momento em que a emitente se torna titular das obrigações por si emitidas, pode designar-se por aquisição originária ou derivada. A distinção que agora se apresenta não é meramente académica, tanto mais que a generalidade dos ordenamentos (aqui temos em conta apenas os países mais desenvolvidos) apresenta regimes diferenciados consoante se trate da uma ou outra modalidade aquisitiva. Na modalidade de aquisição originária a sociedade emitente opera como sua própria subscritora assumindo assim, originalmente as suas obrigações no momento da respectiva emissão, deste modo as obrigações pertencem, desde a sua emissão, á própria sociedade emitente. Na modalidade de aquisição originária a sociedade emitente irá adquirir as obrigações, por si emitidas, já subscritas e em circulação que lhe serão transmitidas por terceiros, quer sejam titulares originários os terceiros que entretanto tenham adquiridos os títulos em mercado regulamentado ou fora deste.

 

  1. Aquisição Originária Directa

 

A aquisição originária pode assumir duas formas que mereceram tratamento em separado. A aquisição pode ser feita de forma directa, situação na qual a sociedade interferem sem recurso a terceiros, subscrevendo ela próprias os títulos pretendidos, ou aquisição indirecta ou por interposta pessoa, desta feita a sociedade emitente recorre a terceiros por forma a que sejam estes a subscrever os títulos emitidos havendo posterior obrigação de passagem dos mesmo. Este tipo de aquisição, indirecta, pode também ser executado através de prestação de garantias por parte da sociedade.

 

O artigo 316 do Código das Sociedades Comerciais proíbe, em absoluto, a auto-subscrição directa ou indirectamente por interposta pessoa, pela sociedade emitente, de acções próprias quer no momento inicial de formação do capital social quer em posteriores aumentos de capital. A questão não é pacífica na doutrina portuguesa, assim, Osório de Castro afasta tal possibilidade através da aplicação do artigo 354 numero 1  e 316[12], ambos do CSC. Importa no entanto reflectir sobre tal conclusão aqui telegraficamente sustentada. Ao contrario do que acontece na aquisição de acções próprias, onde o que está em causa é a integridade do capital social, nas obrigações isso não acontece, ai estão em causa multiplas fracções de uma divida unitariamente assumida pela empresa através de um empréstimo obrigacionista.

 

Adicionalmente, acrescenta Osório de Castro, o acto de subscrição de uma obrigação implica a celebração de um contrato de mutuo, sendo desse contrato que surge o direito de crédito ao reembolso e respectivos juros, direito esse que esta incorporado nos títulos/obrigações. È, sem grandes duvidas, admitido que o contrato de mútuo precede o aparecimento do titulo e, por isso mesmo, afigura-se indiscutível que a sociedade quando subscreve obrigações por si emitidas, celebra um contrato com ela própria, o que á luz da relação obrigacional, e na opinião do autor, é uma situação intolerável.

 

António Silva Dias, em “Financiamento de Sociedades por Emissão de Obrigações”, sustenta “... Concordamos com a proibição de aquisição originária de obrigações próprias. De facto o recurso á emissão de obrigações traduz uma necessidade de financiamento da empresa com meios alheios, dirigindo-se ao reforço da capacidade financeira e empresarial da sociedade, pelo que deve corresponder a um efectivo acréscimo patrimonial da sociedade, do seu potencial económico, nos montantes correspondentes ás contrapartidas dos subscritores. Se a função da emissão de obrigações consiste em assegurar o ingresso de novos recursos no património da sociedade, permitir á sociedade subescrever as suas próprias obrigações significaria contrariar o espírito e a função económica da operação. As contrapartidas das obrigações resultariam de montante já preexistente no património da sociedade, pelo que não haveria qualquer efectivo e real aumento do património societário. Isto porque, ou a sociedade pagaria as obrigações com quantias retiradas do património correspondente ao próprio capital, ou as contrapartidas das obrigações seriam cobertas pelas reservas livres existentes, sem afectação do capital social, não havendo, em ambos os casos, qualquer efectivo aumento do património da sociedade, o que seria contrario á finalidade da emissão de obrigações, que é o financiamento da actividade empresarial da sociedade.” (sublinhado nosso).

 

Sendo o regime da aquisição de acções próprias o regime supletivo para a aquisição de obrigações próprias, importa fazer referencia a algumas interrogações que tem sido levantadas por diferentes autores[13] quanto á legitimidade de aquisição originária de acções próprias. Assim, questionam os autores: que incremento traz ao património da sociedade a operação de subscrição de acções? Que reflexo positivo tem sobre o capital social a subscrição de acções pela sociedade emitente? Que interesses dos sócios e de terceiros são protegidos com esta operação? Que mais valia representa para a sociedade?

 

Não nos cabe, no presente estudo, pronunciar sobre a legitimidade ou não da aquisição, pela sociedade emitente, de acções próprias, referimo-nos apenas á aquisição de obrigações próprias e, neste campo, discordamos, pelo menos em parte, da solução apresentada supra. Sem pretensão de nos pronunciarmos sobre a situação da aquisição de acções próprias, não nos parece levantar duvidas que a sua aquisição originária seja desprovida de sentido pela função que elas próprias pretendem assumir. Assim se uma sociedade, no acto da sua constituição, adquire as suas próprias acções deixará, como facilmente se depreende, de haver uma entrada de capitais na própria sociedade. Se assim se passa na aquisição de acções próprias já o mesmo, em nosso entender, não deverá ser aplicado ipsis verbis ás obrigações, desde logo pela diferença de funções e objectivos existentes entre o capital social e a emissão de obrigações. Diferentes situações[14] poderão justificar que determinada empresa proceda a uma emissão de obrigações, pretendendo manter as mesmas em carteira[15] por tempo indeterminado, esperando melhores oportunidades para as colocar no mercado ou as utilizar para outros fins, como seja dar os títulos, por si emitidos, como colateral/garantia de determinado empréstimo. A emissão de obrigações é um processo sujeito a determinadas formalidades e a sua execução, nem sempre será tão célere quanto a que por vezes é exigida pelos mercados, nomeadamente bancário, pelo que, a titulo de exemplo, esta medida justificaria, do ponto de vista económico, uma aquisição originária. Do ponto de vista jurídico, não nos parece que a aplicação do regime das acções próprias, no que releva para a aquisição originária de obrigações próprias, se deva aplicar, sem mais, ás obrigações na medida que a sua aquisição não prejudica a sociedade que apesar de não cumprir os objectivos, normais, de uma emissão, a entrada de capitais alheios, também não prejudica a sociedade, podendo esta futuramente colocar os títulos em terceiros[16] cumprido nessa data a finalidade primária de uma emissão de obrigações. A evolução do mercado de valores mobiliários não se coaduna com este tipo de limitações ás entidades emitentes, pelo que não sendo evidente nenhum prejuízo para a entidade emitente (e seus accionista/titulares) nem tão pouco para futuros titulares dessas mesmas obrigações não se deverá restringir este tipo de aquisição de obrigações próprias face a vantagens, reais, que poderão advir para a sociedade emitente. Na nossa modesta opinião, o argumento de que a sociedade estaria a celebrar um contrato consigo mesma e que tal é inaceitável numa perspectiva obrigacional, não colhe. Sendo este um argumento, com inquestionável valor e sentido, não nos parece razoável travar o desenvolvimento do mercado dos valores mobiliários através de entraves de índole teórica que na prática não representam desvantagens para nenhuma das partes, quer no presente quer, eventualmente, no futuro envolvidas.

 

Resta saber qual a consequência jurídica da aquisição originária ilícita de obrigações próprias. O legislador português não definiu qualquer consequência para esta hipótese, o numero 3 a 6 do artigo 316 do CSC apenas, e directamente, estabelece o regime para a aquisição originária por interposta pessoa. A doutrina, de forma unânime tem considerado, ou pelo regime geral da nulidade (artigo 294 do Código Civil) ou pela aplicação analógica do regime previsto para a aquisição derivada, este tipo de negócios nulos.

 

5.1.2 Aquisição Originária Indirecta

 

De forma a evitar os impedimentos legais, acima descritos, as sociedades emitentes de obrigações poderiam recorrer a terceiros que subscreveriam os títulos mas que ao mesmo tempo assumiriam a obrigação de os passar para a entidade emitente numa data previamente e preços previamente fixados. Neste caso, e se tal fosse possível, a sociedade assumiria todos os riscos, sendo o terceiro apenas um meio de atingir um fim de forma fraudulenta.

 

Para os autores que sustentam o impedimento da aquisição originária de obrigações próprias por a sociedade estar a fazer um contrato consigo mesma e por tal ser intolerável na ordem jurídica, na aquisição por interposta pessoa este ponto estaria ultrapassado mas apenas aparentemente uma vez que o contrato a celebrar com terceiro seria um contrato fraudulento tendo em vista atingir um objectivo que, na interpretação dos referidos autores, a lei proíbe.

 

A lei prevê explicitamente a proibição de aquisição originária por interposta pessoa de acções próprias (artigo 316 números 3 a 6 do CSC)[17]. Deste modo, os números 3 e 4 do artigo 316 do CSC estabelece que os terceiros intervenientes na aquisição originária ilícita de acções próprias é imposto o dever de liberar as acções em causa, assim como também é imposto á sociedade o dever de exigir o reembolso de todos e quaisquer valores que tenham sido por si adiantados, financiados ou garantidos por forma a que terceiro tenha subscrito as acções da sociedade emitente. De forma a reforçar, e evitar o recurso a estes terceiros, o código (numero 6 do artigo agora em análise) proíbe, em qualquer hipótese e por qualquer meio ou forma, a sociedade de desonerar o terceiro do encargo em liberar as acções. O regime prevê ainda, como consequência, a nulidade de todos os actos por meio do qual a sociedade venha a receber as acções do terceiro que actua no acto de subscrição como mero “figurante” ou como efectivo adquirente mas que para tal tenha recebido financiamento ou garantia por parte da sociedade emitente. Deste modo todas as obrigações decorrentes da aquisição de acções, por parte do terceiro, serão da sua responsabilidade.[18]

 

 

  1. Aquisição derivada

 

A aquisição derivada de obrigações próprias, é a modalidade de aquisição de obrigações próprias que maior relevo assume, desde logo por ser uma modalidade reconhecida pela lei. Esta é uma modalidade admitida, no regime das acções próprias, com inúmeras limitações algumas das quais não deverão ser consideradas na aquisição derivada de obrigações próprias pelo facto da sua aplicação ás obrigações carecerem de sentido isto porque, e recordamos, o objectivo do capital social e da emissão de obrigações é bastante diverso.

 

O artigo 316 numero 1, 1ª parte, do CSC desde logo estabelece que a sociedade só pode adquirir e deter acções próprias nos casos e condições previstas na lei.

 

Logo no artigo 317 numero 4 do CSC, a lei estabelece “Como contrapartida da aquisição de acções próprias, uma sociedade só pode entregar bens que, nos termos dos artigos 32º e 33º, possam ser distribuídos aos sócios, devendo o valor dos bens distribuíveis ser, pelo menos, igual ao dobro do valor a pagar por elas.” A razão de ser deste preceito prende-se com o facto de se querer proteger a intangibilidade do capital social e das reservas indisponíveis. Sem este preceito, refere Maria Vitoria Rocha “se a sociedade não possui reservas livres, a aquisição onerosa de acções próprias, dada a situação de auto-referencia que cria, significa realmente que parte do património pode deixar de estar submetido á acção dos credores, pelo que se traduz, potencialmente, numa ilícita e disfarçada redução de facto do capital social.”. Este preceito, se aplicado ás obrigações próprias, seria desprovido de sentido. Na aquisição de obrigações próprias não se pode falar de intangibilidade do capital social. Os obrigacionistas são simples credores da sociedade, ao contrário dos detentores de acções. Adicionalmente, a aquisição de obrigações próprias é benéfica para a sociedade na medida que limita os custos (pagamento de juros) do empréstimo obrigacionista, assim, ao contrário da aquisição de acções próprias em que estamos perante uma diminuição do activo patrimonial, da sociedade emitente, sem qualquer abatimento nas verbas do passivo que representam dividas em relação a terceiros, na aquisição de obrigações próprias a sociedade vê diminuir o número (ou importância)[19] dos seus credores.

 

Com a aquisição de obrigações próprias existe uma extinção das dívidas nelas incorporadas. Apesar do que foi avançado, acerca das vantagens para a sociedade quanto á possibilidade de adquirir obrigações próprias, essa situação pode revelar-se prejudicial para os restantes detentores de obrigações emitidas. No momento em que determinada sociedade adquire obrigações próprias, a quantia entregue pela sociedade nessa aquisição é retirada do seu activo patrimonial entrando os respectivos títulos para o activo da sociedade. Nesta fase a sociedade pode agir de uma de duas formas, ou procede á amortização dos títulos (nos termos do artigo 354 do CSC) ou mantêm os títulos em carteira. Estando os títulos em carteira, ainda que em vigor, passivo da sociedade diminui, isto porque ela não pagara juros a si mesma nem terá de reembolsar a si mesma. Sendo as obrigações valores mobiliários livremente transaccionáveis, as verbas dispendidas para a aquisição de obrigações próprias podem ser superiores ao valor da diminuição do passivo. Assim, a aquisição de obrigações próprias pode ser utilizada pela sociedade de forma a beneficiar determinados obrigacionistas em deferimento de outros violando, assim, o princípio de igualdade de tratamento dos credores (artigo 321 do CSC). Face a esta situação, alguns autores acabam por aceitar a exigência de bens livres para a aquisição de obrigações próprias. Outros autores rejeitam esta limitação, procurando resolver esta situação com a aplicação do regime da impugnação pauliana (artigos 610 a 618 do código civil)[20].

 

O artigo 317 número 2 do CSC, estabelece relativamente ás acções próprias, “Salvo o disposto no número seguinte e noutros preceitos legais, uma sociedade não pode adquirir e deter acções próprias representativas de mais de 10% do seu capital”, este é um limite que terá, sempre, de ser observado. Deste modo, todas as aquisições, de acções próprias, quando este limite já tenha sido atingido, deverão ter-se por ilícitas salvo se encontrem previstas na excepção do número 3 do mesmo artigo[21]. O limite, de 10% do capital social, justifica-se, no âmbito de aquisição de acções próprias por 3 ordens de razão: em primeiro lugar, procura limitar a intervenção da empresa nos seus próprios títulos, nomeadamente no que respeita á manipulação de mercado[22]; em segundo lugar, a aquisição e detenção de acções próprias assume repercussões na sobre o seu controlo e organização já que permite reorganizar a influência de diferentes grupos; em terceiro lugar, uma limitação quantitativa deste género, visa impedir que, no limite, a empresa venha ser dona, na totalidade, dela própria assumindo a forma de uma fundação mas revestida da forma de sociedade. No campo das obrigações, as duas últimas razoes apresentadas não parecem passíveis de ser transpostas, isto porque apesar de a sociedade poder, com a aquisição de obrigações próprias influenciar a assembleia de obrigacionistas, esse resultado não possui a mesma relevância no que respeita á alteração de forças no controlo da sociedade. No que respeita á ultima razão apresentada, nas obrigações não existe o problema de a sociedade ser detentora de todas as obrigações de uma determinada série e/ou de determinada emissão. Das razões apresentadas, apenas a primeira nos parece ser razão justificativa para transportar este limite de 10% para o regime das obrigações. È verdade que a sociedade terá sempre um conhecimento maior e mais aprofundado, da sua situação financeira, face aos demais obrigacionistas e poderá fazer-se valer desse conhecimento e da possibilidade de obter obrigações próprias por forma a fazer variar o preço dos títulos, valorizando-os ou desvalorizando-os, consoante o mais favorável a esta. Se por um lado o limite, agora em análise, impediria, ou pelo menos limitaria, a influencia da sociedade na formação do preço dos títulos em mercado não nos parece suficientemente forte, o argumento, por forma a transpor este limite para o campo das obrigações. Grande parte das obrigações, emitidas pelas empresas, possui uma taxa fixa acrescida de um determinado indexante (habitualmente EURIBOR), pelo que o seu preço será determinado pela expectativa da evolução do indexante e não pela quantidade de títulos em mercado (leia-se pela lei da oferta e da procura). No nosso entender a capacidade de alterar o preço em mercado regulamentado é, indiscutivelmente maior, no mercado accionista em comparação com o mercado obrigacionista e desse modo o limite de 10% na aquisição de obrigações próprias poderá, salvo melhor opinião, ser desprovido de sentido. Acresce a isto, o facto de este limite ser um obstáculo á gestão financeira/de divida das empresas emitentes, na medida em que não poderão reembolsar antecipadamente a totalidade de uma determinada emissão ou, no limite, ter de amortizar percentagens de 10, o que não é de todo praticável. Posição diferente é assumida por António Silva Dias, “Todavia, ainda que nem todas as razoes justificativas do limite de 10% á aquisição e detenção de acções próprias possam ser transportadas para aquisição de obrigações próprias, pelo menos uma delas se encontra presente – alias a mais importante –, em virtude da necessidade de proteger o regular funcionamento do mercado obrigacionista, que pode ser perturbado se a sociedade puder adquirir e deter, sem quaisquer limitações de quantidade, as suas próprias obrigações. Assim sendo concluímos que a remissão operada pelo artigo 354º,1, abrange a referida limitação quantitativa contida no artigo 317º, 2.”. Resta esclarecer que adoptando esta posição, a referencia a 10% do capital referida no artigo 317 numero 2, deve ser entendida como 10% da emissão em causa e não do capital social, como é referido no artigo, pois apenas assim se conseguirá obter os mesmos efeitos práticos pretendidos para no regime das acções próprias.

 

Outro limite exigido pelo código das sociedades comerciais, está consagrado no artigo 318 número 1, 1ª parte, reporta-se á aquisição de acções totalmente liberadas. Este requisito justifica-se por dois motivos essenciais, por um lado assegurar a efectiva realização do capital social e por outro assegurar o cumprimento do princípio de igualdade entre os accionistas. Transpondo este requisito para as obrigações próprias e reflectindo sobre as causas originárias desta limitação, conclui-se pela sua aplicação. Assim, apenas as obrigações já totalmente liberadas poderão ser objecto de aquisição derivada de obrigações próprias. Ambos os argumentos, supra referidos, são também aplicáveis no campo das obrigações, com as devidas adaptações. Aqui não se pretende a plena realização do capital social mas sim a plena realização dos capitais alheios que se pretende recolher[23]. Caso se admitisse a aquisição de obrigações ainda não totalmente liberadas, a realização das obrigações associadas a esses títulos não seriam nunca realizadas (ou não seriam realizadas enquanto estivessem na carteira da próprias sociedade emitente) por haver confusão entre a entidade devedora e credora. Acresce ainda, a defesa do princípio de igualdade entre obrigacionistas, que aqui se visa proteger, evitando que a sociedade emitente possa adquirir obrigações ainda não totalmente liberadas em prejuízo de terceiros detentores de obrigações já totalmente liberadas. Assim, todas as obrigações a adquirir pela empresa terão de estar todas no mesmo patamar.

 

Reportamo-nos, por fim, ao artigo 319 do CSC (Deliberação de Aquisições), onde se exige a deliberação da Assembleia Geral para a aquisição derivada de acções próprias. Maria Vitoria Rocha, avança com 3 argumentos que visam sustentar tal exigência. Em primeiro lugar, a aquisição de acções próprias pode produzir efeitos na própria estrutura de poder da sociedade, uma vez que quanto maior for a participação da sociedade no seu próprio capital social menor terá de ser a percentagem a deter por terceiros de forma a controlar a assembleia, dai a aquisição de obrigações próprias não poder ser comparada a aquisição de outros bens, nem tão pouco a acções de outras empresa. Uma segunda linha de argumento, resulta do facto de as acções próprias terem de ser adquiridas através de bens livres da empresa, ora sendo a Assembleia geral o órgão competente para a decisão quanto ao que fazer com os lucros da sociedade, faz sentido tal exigência. Por último a autora avança com um argumento assente no direito de informação aos investidores. Assumindo a aquisição de obrigações próprias na estrutura de poder da sociedade é exigível que todos os accionistas possam ter, e manifestar-se, sobre tal assunto. Reportando esta exigência ás obrigações próprias, importa voltar a referir que a aquisição de obrigações próprias em nada interfere com a estrutura de poder no seio da sociedade pelo que, a julgar pelo primeiro argumento utilizado para fundamentar a exigência de deliberação da Assembleia Geral com vista a aquisição de acções próprias, tal exigência não seria aplicável ás obrigações. Como este, também o argumento da informação aos accionistas, não deve colher pelo facto de tal actividade se dever encontrar no domínio da gestão financeira/ de divida da própria empresa e não no domínio da Assembleia Geral. Assim sendo, e apesar da diferença de posições quanto aos bens a utilizar pela empresa para aquisição de obrigações próprias, parece consensual, a exigência de deliberação de Assemleia Geral, ou pelo argumento de que tais obrigações só podem ser adquiridas com bens disponíveis, e ai exige-se a deliberação da Assembleia Geral, ou, ainda que se considere a aquisição de obrigações próprias com recurso a bens indisponíveis, impõe-se, por cautela, uma prévia autorização da Assembleia Geral para tal aquisição[24].

 

As mesmas consequências da aquisição ilícita originária por interposta pessoa deverão ser aplicadas á aquisição ilicita derivada por interposta pela pessoa, pelo que não nos alongaremos em grandes considerações, sobre este aspecto, neste ponto, remetendo para o ponto da aquisição originária de obrigações próprias.

 

 

 

6.  Aquisição de obrigações emitidas por entidade do mesmo grupo económico.

 

Abordaremos agora, de forma sucinta, a aquisição de obrigações, no caso não de obrigações próprias por parte da entidade emitente, por parte de sociedades em relação de domínio.

 

No que respeita ao regime aplicado ás acções, o artigo 325-A do CSC, é bastante claro ao referir “As acções de uma sociedade anónima subscritas, adquiridas ou detidas por uma sociedade daquela dependente, directa ou indirectamente nos termos do artigo486, consideram-se, para todos os efeitos, acções próprias da sociedade dominante.” com a devida salvaguarda do número 2 do referido artigo[25]. A redacção do mencionado artigo, tem como finalidade equiparar a hetero-participação á auto-participação, ou seja á aquisição e detenção de acções da sociedade dominante por parte da sociedade dominada deverá ser aplicado o mesmo regime de aquisição e detenção de acções próprias. Tal regime facilmente se justifica se tivermos em consideração o facto de a sociedade dominante influenciar as decisões da sociedade dominada[26]. Assim, as acções detidas por sociedade dominada, pela sociedade emitente, estariam á disposição da sociedade dominante o que a admitir, seria admitir uma solução fácil para contornar o regime das acções próprias.

 

Aplicando o exposto ás obrigações, somos da opinião de que o mesmo regime não deverá ser aplicado[27]. Desde logo por a ratio do regime do artigo 325-A ser a protecção do capital social e visar impedir a alteração, por via derivada, da estrutura de poder na sociedade. Não sendo nenhuma destas justificações atingidas por uma aplicação do mesmo regime ás obrigações, tal aplicação revelar-se-ia inoportuna e vazia de fundamento.

 

 

 

 

Conclusão

 

No presente estudo, procuramos fazer a transposição, indicada pelo artigo 354 do CSC, do regime das acções próprias para as obrigações próprias. Era nosso objectivo procurar a base de fundamento para o regime das acções e depois analisar se tal fundamentação faria sentido num regime relativo ás obrigações.

 

Algumas das opiniões, avançadas ao longo do trabalho, revelam um espírito mais pratico, tendo uma preocupação assumida que alguns conceitos teóricos, e de enorme importância para uma correcta concretização pratica dos preceitos, não sejam vistos de forma estanque funcionando por vezes como pedras na engrenagem de estruturas financeiras favoráveis a todas as partes envolvidas.

 

A ideia final a reter, depois deste estudo, centra-se na grande diferenciação da natureza, objectivos e funções, entre acções e obrigações o que, em nossa opinião, justificaria, por si só, um regime autónomo para as obrigações. Regime esse que, estamos em crer, surgirá a médio prazo dado o crescente recurso, pelas empresas, a esta forma de financiamento. Assim, estamos convencidos do facto de nem todas as regras do regime de aquisição de acções próprias deverão ser transpostos para as obrigações por, na sua génese, não serem condizentes com a figura das obrigações.

 

 

 

                                  

 

 

 

 

 

Índice

 

  1. Introdução……………………………………………………………………………2

 

  1. Definição de Obrigações…………………………………………………………….4

 

  1. Tipo de Obrigações…………………………………………………………………..7
    1. Obrigações Hipotecárias……………………………………………………………………..7
    2. Papel Comercial………………………………………………………………...8
    3. Obrigações Convertíveis em acções………………………………………….…9
    4. Obrigações Subordinadas…………………………………………………...…11

 

  1. Aquisição de Obrigações Próprias………………………………………...……….12
    1. Aquisição de Obrigações Próprias Vs Aquisição de Acções Próprias………...12

 

  1. Modalidades Aquisitivas…………………………………………………………...14
    1. Aquisição Originária Directa………………………………………………….14

5.1.2 Aquisição Originária Indirecta………………………………………………18

  1. Aquisição Derivada…………………………………………………………....20

 

  1. Aquisição de Obrigações Emitidas por Entidade do Mesmo Grupo económico…..26

 

  1. Conclusão………………………………………………………………………….28

 

  1. Bibliografia…………………………………………………………………………29
 


[1] Vide Ascensão, J. Oliveira em “O novíssimo Conceito de Valor Mobiliário” em AAVV “Direito dos Valore Mobiliários.

[2] Expressão Anglo-saxónica que pretende traduzir as transacções feitas fora de mercado regulamentado.

[3] Os valores mobiliários podem distinguir-se pelo modo de representação externa que apresentam e pelo modo de circulação. Quanto ao modo de representação externa, podem ser titulados, ou seja, representados por títulos físicos/suporte em papel ou escriturais, ou seja, desmaterializados correspondendo a simples registos informáticos. Relativamente ao modo de circulação, os valores mobiliários podem ser nominativos ou ao portador consoante se encontre averbada a respectiva titularidade, transmitindo-se por endosso ou se o titular se determina mediante a exibição do respectivo valor mobiliário.

[4] Aprovado pelo Decreto-Lei nº262/82 de 2 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei nº76-A/2006 de 29 de Março, que republicou o código. Foi ainda alterado pelos Decreto-Lei nº 8/2007 de 17 de Novembro, Decreto-Lei 357-A/2007 de 31 de Outubro,  Decreto-Lei247-B de 30 de Dezembro, pela Lei 19/2009 de 12 de Maio, pelo Decreto-Lei 122/2009 de 21 de Maio e Decreto-Lei 185/2009 de 12 de Agosto.

[5] Podem ser emitentes de obrigações: as sociedades antónimas e sociedade em comandita por acções, artigos 478 do Código da Sociedades Comerciais; as sociedades por quotas, Decreto-Lei 160/87 de 3 de Abril; agrupamentos complementares de empresas.

[6] A notação de risco pode ser atribuída á emissão propriamente dita, e pode ser diferente da notação de risco da entidade emitente, ou poderá ser a notação de risco atribuída á própria entidade emitente. Nenhuma das notações de risco, á entidade emitente e á emissão, dependente ou é indissociável.

[7] Classificação avançada por José Engrácia Antunes, no livro Os Instrumentos Financeiros, e que aqui adoptamos.

[8] Disponível em https://www.cmvm.pt/CMVM/Legislacao_Regulamentos/Legislacao%20Complementar/Emitentes/Pages/DLn69_2004.aspx

[9] Disponível para consulta em https://www.cmvm.pt/CMVM/Legislacao_Regulamentos/Regulamentos%20%C3%A1rea%20antiga/2004/Pages/reg2004_01.aspx

[10] Artigo 354 do CSC: “1- A Sociedade só pode adquirir obrigações próprias nas mesmas circunstâncias em que poderia adquirir acções próprias ou para conversão ou amortização. 2- Enquanto as obrigações pertencem á sociedade emitente são suspensos os respectivos direitos, mas podem ser convertidas ou amortizadas nos termos gerais”.

[11] O artigo 360 do CSC, é um artigo, indubitavelmente, e pela utilização do adverbio “nomeadamente” exemplificativo.

[12] O artigo 316 do CSC versa assim ”1- Uma sociedade não pode subscrever acções próprias, e, por outra causa, só pode adquirir e deter acções próprias nos casos e nas condições previstos na lei. 2- Uma sociedade não pode encarregar outrem de, em nome deste mas por conta da sociedade, subscrever ou adquirir acções dela própria. 3- As acções subscritas ou adquiridas com violação do disposto no número anterior, pertencem para todos os efeitos, incluindo a obrigação de as liberar, á pessoa que as subscreveu ou adquiriu.” (a redacção do artigo inclui ainda os numero 4,5 e 6 que aqui se dão por reproduzidos.)

[13] Dos quais destacamos, Maria Cristina Vital Teles de Menezes, na sua tese de Mestrado Aquisição e detenção de acções próprias á luz do Código das Sociedades Comercias e as perspectivas da sua flexibilização, e Maria Vitoria Rocha e João Labareda.

[14] A titulo de exemplo, a emissão de obrigações hipotecários, pelos bancos, com o objectivo de dar a emissão como colateral para empréstimos junto do BCE (Banco Central Europeu).

[15] Leia-se, ser detentora das obrigações por si emitidas

[16] Via mercado regulamentado ou fora deste (OTC, over the counter)

[17] O regime jurídico aqui referido tem por base a caracterização como ilícita de aquisição de obrigações próprias. Caso, como defendemos, seja possível a aquisição originária de obrigações próprias, o regime aqui descrito não será aplicável. Nesse caso ele seria aplicável ao regime das acções mas não seria aplicável, enquanto regime supletivo, neste ponto, ás obrigações.

[18] Importa salvaguardar que o próprio código estabelece uma excepção, no que reporta a financiamento e/ou garantias prestadas por banco ou outras instituições de financeiras, artigo 322 numero 2 do CSC.

[19] Importância, é referida aqui no sentido de que os valores devidos pela sociedade aos credores serão, necessariamente, menor.

[20] Para estes autores, nomeadamente Osório de Castro, a aquisição de obrigações próprias constitui um acto subsumível é noção de pagamento antecipado de divida não vencida e, como tal, será susceptível de ser impugnado desde que se verifiquem todos os requisitos da impugnação pauliana. Para estes autores, o recurso a este regime, estará dependente de uma impossibilidade para os restantes credores de obter a satisfação integral dos seus crédito ou um agravamento dessa impossibilidade.

[21] O numero 3 do artigo 317 do CSC assume a seguinte redacção, “Uma sociedade pode adquirir acções próprias que ultrapassem o montante estabelecido no numero anterior quando: a) a aquisição resulte do cumprimento pela sociedade de disposições da lei; b) a aquisição vise executar uma deliberação de redução de capital social; c) seja adquirido um património, a título universal; d) a aquisição seja feita a título gratuito; e) a aquisição seja feita em processo executivo para cobrança de dívidas de terceiros ou por transacção em acção declarativa proposta para o mesmo fim; f) a aquisição decorra de processo estabelecido na lei ou no contrato de sociedade para a falta de liberação de acções pelos seus subscritores.”

[22] Parece-nos um argumento perfeitamente atendível mas algo frágil, pelo facto de a empresa, com uma posição de 10% do seu capital social conseguir obter praticamente os mesmos efeitos, negativos, no que respeita a manipulação de mercado.

[23] Mais uma vez referimos que sendo este o principal objectivo poderá não ser o único.

[24] A aquisição de obrigações próprias poderá estar prevista na mesma deliberação da emissão de obrigações evitando-se desse modo uma demora que poderia revelar-se prejudicial para a empresa. Importa fazer referencia ao numero 3 do artigo 319 do CSC, assim, em situações em que se pretenda evitar um prejuízo grave e iminente para a sociedade, a competência de tal deliberação poderá passar para o conselho de administração ou conselho de administração executivo

[25] No caso de a subscrição, aquisição e detenção de acções de sociedade anónima por sociedade dela dependente seja feita por conta de um terceiro que não seja sociedade anónima dominante emitente de acções nem outra sociedade em que exerça influência dominante.

[26] Tendo a capacidade de decidir, nos casos em que detêm uma participação maioritária, ou de influenciar, nos casos em que detêm uma posição minoritária mas ainda assim significativa.

[27] Neste sentido, António Silva Dias em Financiamento de Sociedades por Emissão de Obrigações.